Andre Lazaroni

sexta-feira, junho 04, 2010


Não poderia ser diferente e nem poderia ser em outro lugar. O Amazonas iniciou as comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente – que será amanhã – com eventos realizados no Centro Cultural Thiago de Mello, em Manaus. Como tanto tem recomendado o grande poeta, foram feitas atividades pedagógicas, com palestras e oficinas sobre educação ambiental, promovidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) e Secretaria de Educação do Amazonas (Seduc-AM). Elas contaram com oficinas e palestras, com muita gente presente. O Inpa buscou alcançar o público em geral e teve por objetivo promover a discussão sobre a necessidade de preservação da Região Amazônia para a sobrevivência do planeta. Foram palestrantes os professores Maria Inês Gasparetto Higuchi, do Laboratório de Psicologia e Educação Ambiental (Lapsea) do Inpa, Elizabeth da Conceição Santos, da Universidade Estadual do Amazonas (Uea) e Henrique Pereira dos Santos, da Universidade do Federal do Amazonas (Ufam).

O Centro Cultural Thiago de Mello é uma homenagem do Amazonas ao genial poeta Amadeu Thiago de Mello, natural de Barreirinhas, no estado do Amazonas, onde nasceu em 30 de março de 1926. Em seu poema mais conhecido, Os Estatutos do Homem, o poeta chama a atenção para os valores simples da natureza humana.

“Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.”

O livro Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida, publicado em 1975, ainda durante a ditadura militar, rendeu a Thiago de Mello o prêmio concedido pela Associação Paulista dos Críticos de Arte e tornou-o conhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos.

“Para os que virão
Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.

Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.”

Thiago de Mello tem suas belas e comoventes poesias traduzidas para mais de trinta idiomas. Combatente da liberdade, ele foi preso durante a ditadura (1964-1985), e acabou exilado no Chile. Em Santiago, encontrou-se com Pablo Neruda um grande e bem prezado amigo. Deu-se, no Chile, uma genial parceria. Thiago traduzia Neruda, Neruda traduzia Thiago de Mello. Cidadão do mundo, banido da pátria pelo regime de exceção, o filho maior da Amazônia viveu ainda na Argentina, Chile, Portugal, França e Alemanha. Com a redemocratização, Thiago de Mello voltou para Barreirinha, onde está até hoje, olhando, amando e cuidando, como pode, da nossa Amazônia.

Nesta sexta-feira, véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente, fique com um maravilhoso e pungente poema de Thiago de Mello: “Filho da floresta, água e madeira”.


Filho da floresta,

água e madeira

vão na luz dos meus olhos,

e explicam este jeito meu de amar as estrelas

e de carregar nos ombros a esperança.



Um lanho injusto, lama na madeira,

a água forte de infância chega e lava.



Me fiz gente no meio de madeira,

as achas encharcadas, lenha verde,

minha mãe reclamava da fumaça.



Na verdade abri os olhos vendo madeira,

o belo madeirame de itaúba

da casa do meu avô no Bom Socorro,

onde meu pai nasceu

e onde eu também nasci.



Fui o último a ver a casa erguida ainda,

íntegros os esteios se inclinavam,

morada de morcegos e cupins.



Até que desabada pelas águas de muitas cheias,

a casa se afogou

num silêncio de limo, folhas, telhas.



Mas a casa só morreu definitivamente

quando ruíram os esteios da memória

de meu pai,

neste verão dos seus noventa anos.



Durante mais de meio século,

sem voltar ao lugar onde nasceu,

a casa permaneceu erguida em sua lembrança,

as janelas abertas para as manhãs

do Paraná do Ramos,

a escada de pau-d’arco

que ele continuava a descer

para pisar o capim orvalhado

e caminhar correndo

pelo campo geral coberto de mungubeiras

até a beira florida do Lago Grande

onde as mãos adolescentes aprendiam

os segredos dos úberes das vacas.



Para onde ia, meu pai levava a casa

e levava a rede armada entre acariquaras,

onde, embalados pela surdina dos carapanãs,

ele e minha mãe se abraçavam,

cobertos por um céu insuportavelmente

estrelado.



Uma noite, nós dois sozinhos,

num silêncio hoje quase impossível

nos modernos frangalhos de Manaus,

meu pai me perguntou se eu me lembrava

de um barulho no mato que ele ouviu

de manhãzinha clara ele chegando

no Bom Socorro aceso na memória,

depois de muito remo e tantas águas.



Nada lhe respondi. Fiquei ouvindo

meu pai avançar entre as mangueiras

na direção daquele baque, aquele

baque seco de ferro, aquele canto

de ferro na madeira — era a tua mãe,

os cabelos no sol, era a Maria,

o machado brandindo e abrindo em achas

um pau mulato azul, duro de bronze,

batida pelo vento, ela sozinha

no meio da floresta.



Todas essas coisas ressurgiam

e de repente lhe sumiam na memória,

enquanto a casa ruína se fazia

no abandono voraz, capim-agulha,

e o antigo cacaual desenganado

dava seu fruto ao grito dos macacos

e aos papagaios pândegas de sol.



Enquanto minha avó Safira, solitária,

última habitante real da casa,

acordava de madrugada para esperar

uma canoa que não chegaria nunca mais.



Safira pedra das águas,

que me dava a bênção como

quem joga o anzol pra puxar

um jaraqui na poronga,

sempre vestida de escuro

a voz rouca disfarçando

uma ternura de estrelas

no amanhecer do Andirá.



Filho da floresta, água e madeira,

voltei para ajudar na construção

do morada futura. Raça de âmagos,

um dia chegarão as proas claras

para os verdes livrar da servidão.”

publicado por André Lazaroni em 4.6.10



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