Andre Lazaroni

quinta-feira, junho 10, 2010


O setor ambientalista da vida brasileira vive dias de preocupação. Um parlamentar que historicamente deveria defender o Código Florestal Brasileiro – Aldo Rebelo (PCdoB-SP) – é o seu principal adversário. Relator de mudanças estruturais no documento legal, ele está defendendo o que fez, em sessões da comissão especial da Câmara Federal. A bancada ruralista está eufórica com o que ouve e lê. E aposta que a discussão e votação do relatório de Aldo Rebelo deve acontecer ainda este mês. Os ambientalistas alertam: se for aprovado, o novo código também alterará a lei dos crimes ambientais.

O superintendente da Ong WWF, Carlos Alberto Scaramuzza, concedeu uma esclarecedora entrevista ao site IHU On-Line, que foi transcrita pelo portal EcoDebate. Faço o mesmo para maior repercussão. Segundo Scaramuzza, o Código Florestal, redigido e aprovado em 1965, necessita de complementações e até a plena implementação de alguns pontos, mas não de remodelação como os ruralistas querem agora. Outra opinião do dirigente do WWF: “o que está em jogo com a possível mudança no código é a grande contribuição que o Brasil pode dar para o combate às mudanças climáticas”.

E ainda outra: “o Brasil é o quarto maior emissor de gases de efeito estufa mundial. Se tirássemos as emissões oriundas da expansão agrícola, nós seriamos o 18º emissor.” O biólogo Carlos Alberto Scaramuzza é superintendente de Conservação de Programas Temáticos da WWF Brasil. Ele se doutorou em Ecologia pela Universidade de São Paulo.

Pergunta - O debate sobre mudanças no Código Florestal é hoje um dos temas mais polêmicos no Congresso. Por que a manutenção do atual Código Florestal incomoda tanto os ruralistas?

Carlos Alberto – Penso que temos que diferenciar, para compreender essa questão, o agronegócio: a parte política desse segmento precisa de um palanque político para conseguir apoio para renovação dos seus mandatos. É isso que faz com que eles tenham uma visão extremamente míope do processo, olhando apenas para a próxima eleição, sem ter uma noção sistêmica para resolver o problema. Eles estão interessados apenas em conseguir palanque de uma forma muito estreita.

As lideranças rurais propriamente ditas, não ligadas diretamente à política, estão preocupadas mais com a lei de crimes ambientais. Isso porque eles estão passíveis de serem penalizados de acordo com o Código Florestal. Há lideranças que deixam se envolver por essa ideia de desmantelar o Código Florestal e outras que estão focadas em pontos específicos que precisam ser melhor esclarecidos ou que precisam ser implementados para serem avaliados.

Há também lideranças mais progressistas que veem na implementação do Código Florestal uma vantagem por diferenciar produtos brasileiros de outros, uma vez que os nossos terão informações de origem, certificação, assegurando ao comprador final que o produto foi feito com o menor impacto ambiental, as melhores práticas agrícolas possíveis.

Que pontos do Código Florestal precisam ser implementados?

Carlos Alberto – São pontos do Código Florestal que precisam de resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou de outros setores do Ministério. É preciso fazer ajustes na lei, eventualmente, mas isso não significa que ela necessite de uma mudança do código propriamente dito, e sim de complementos, como, por exemplo, a resolução que limita as Áreas de Preservação Permanente (APPs) de topo de morro. Esse tópico precisa ser melhor esclarecido, porque ele deixa margens para interpretações diferentes. Porém, para fazer isso, não é preciso mudar o código, apenas a resolução.

Para a classe política com visão mais estreita, interessa a mobilização e a reeleição a partir dessa bandeira de luta contra o Código Florestal. Eles deveriam atacar os problemas sistêmicos da agricultura brasileira, como a questão de crédito, do transporte, do armazenamento etc. O que dificulta a agricultura brasileira não é o Código Florestal, não é 20% de APPs ou de reserva legal. Um estudo que fizemos recentemente mostra que as APPs têm pouquíssimo impacto na área de produção dos grandes produtos, como uva, maçã e café.

“Para a classe política com visão mais estreita, interessa a mobilização e a reeleição a partir dessa bandeira de luta contra o Código Florestal."

Os verdadeiros problemas são difíceis de serem resolvidos porque envolvem infraestrutura, estradas, ferrovias, portos. Então, é mais fácil escolher esse tipo de tema para dar ibope junto ao eleitor do que resolver os pontos acerca da modernização agrícola do país. A nossa política agrícola é ainda da década de 1970.

Não temos um financiamento, hoje, orientado para uma propriedade moderna, dividida com diferentes culturas. Não há políticas agrícolas adequadas para a questão da integração. Um estudo lançado recentemente mostra que existe terra para atender essa demanda crescente de agricultura sem a necessidade de desmatar. Para isso, precisamos de uma reforma política que instaure um tipo de representação mais voltado para os interesses da nação como um todo.

De quando é este código que ainda vigora? Quais eram os interesses em relação ao meio ambiente na época?

Carlos Alberto – É de 1965. Pouca gente se dá conta de que ele foi criado pelo Ministério da Agricultura que estava preocupado com a agricultura que era desorganizada, com impactos nos principais insumos. Essa política pública foi criada para ordenar o uso do solo, da água e das florestas dentro das propriedades rurais. A visão, quando o código foi criado, era totalmente agronômica.

O que está em jogo com essa possível mudança?

Carlos Alberto – Uma das coisas é o grande papel que o Brasil pode ter nas reduções das emissões. Hoje, o Brasil, por conta do desmatamento, é o quarto maior emissor mundial. Se tirássemos as emissões oriundas da expansão agrícola, nós seriamos o 18º emissor mundial. Está em jogo, portanto, a grande contribuição que o Brasil pode dar para o combate às mudanças climáticas. Nosso papel em Copenhague foi claramente de liderança nessa questão. Esse protagonismo também é fundamental quando se fala em Código Florestal.

Também está em jogo o papel que o Brasil pode ter na agricultura moderna, onde o consumidor quer saber de onde o produto vem e como foi produzido. Essa exigência já acontece no Brasil, onde a conscientização não é tão grande. Outra questão importante são as possibilidades de desenvolvimento e de conquista de mercados pela agricultura brasileira.

A WWF-Brasil publicou um estudo que analisa quatro municípios de alta produção agrícola: Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul (maior produtor de uva do Brasil), Três Pontas, em Minas Gerais (segundo principal produtor de café do estado), Vila Valério (número um no ranking de plantadores de café do Espírito Santo) e Fraiburgo (líder no cultivo de maçã em Santa Catarina). A que conclusões chegou o estudo tendo como referência o Código Florestal?

Carlos Alberto – O estudo mostrou que, nestes municípios, a produção não é impactada pelo código florestal. As Áreas de Preservação Permanente (APPs) de beira de rio ou são florestas ou são usadas como pastagens. Mostramos o contrário do que falavam, ou seja, o estudo apresenta que a implantação de APPs não inviabiliza a agricultura. Ninguém planta em uma pendente de 45º e nem na beira do rio.

Existem pestes que precisam ser corrigidas, obviamente, mas precisamos abandonar essas ideias de inviabilização da agricultura e tentarmos resolver o problema implementando o código. As APPs devem ser recuperadas, pois são fundamentais para a conservação dos recursos hídricos, tanto para a propriedade como para o abastecimento urbano. Inclusive o que não está no código florestal, mas seria fundamental, é a lei de pagamento por serviços ambientais. Florestas na beira do rio contribuem para geração de água para abastecimento urbano, isso deve ser remunerado.

Devemos encarar o problema de maneira positiva. Parte do recurso de abastecimento de água urbana tem que ir para os agricultores que estão conservando a floresta em torno de nascentes. Esse estudo trabalhou para deixar de lado os mitos e tentou se debruçar sobre os problemas de implementação, a importância de encontrar formas para viabilizar a recuperação das florestas ao longo das APPs, além de trabalhar com formas previstas no código de compensação, que permitem que os requisitos da reserva legal possam ser atendidos fora da propriedade.

Quais são as principais forças políticas no Congresso contra a mudança do Código?

Carlos Alberto – Tem a Frente Parlamentar Ambientalista, que congrega uma série de deputados de diferentes partidos e tem uma visão de que o meio ambiente não é um obstáculo, e sim um tremendo recurso e vantagem para o desenvolvimento econômico e para a produção agrícola.

Há alguns deputados que são “vigilantes do futuro” e estão preocupados com o futuro da nação. Eles têm consciência de que produção, antigamente, era uma questão de capital financeiro, humano e material. E hoje, se não tivermos o quarto capital, que é o natural, todos os negócios estão falidos, ou por questões de produtividade ou por deixarem os recursos existentes para a produção. Isso se aplica à agricultura e a qualquer outra questão. Não dá mais para tratar a natureza como um modelo de negócio. Há algumas lideranças que já se deram conta disso e estão preocupadas com que a economia brasileira tenha uma participação efetiva no desenvolvimento da economia verde que está surgindo, e que incorpora o capital natural como uma essência da viabilidade e dos avanços.

E a favor?

Carlos Alberto – São esses deputados ruralistas, não diria todos, mas a grande maioria tem uma visão muito primária e míope desse processo. Boa parte está preocupada com a próxima eleição, em chegar a sua base eleitoral mostrando que eles enfrentam os ambientalistas. São políticos que procuram um bode expiatório e uma plataforma eleitoral fácil em vez de realmente enfrentar os obstáculos da agricultura brasileira.

E qual sua avaliação da posição do governo em relação a esse debate?

Carlos Alberto – Ao longo do tempo, o governo suspendeu um pouco da heterogeneidade de visões. Dentro da agricultura, isso é bem claro na medida em que o governo tem o Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Um ministério para os grandes agricultores e outro para a grande agricultura. Esses dois grupos têm visões bastante pertinentes sobre o novo código e forma de fazê-lo.

Há também uma terceira polaridade que seria o Ministério do Meio Ambiente. Esta heterogeneidade estava presente no próprio ministério. Tardiamente, esses três grupos procuraram desenvolver uma proposta em comum. E tão tardio foi que isso nem acabou vindo a público, parou na Casa Civil, que não está interessada e colocou o assunto na gaveta.

Podemos dizer que é lamentável que tenha se demorado tanto para colocar essas três visões juntas e produzir uma proposta em comum. Porém, devemos valorizar o fato disso acabar acontecendo. Estamos na expectativa de que um dia essa proposta possa vir a público, possa ser analisada e debatida pela sociedade. É importante ouvir outras partes interessadas neste processo para avaliar esse primeiro esforço feito pelo governo. Há um pouco de esquizofrenia do governo brasileiro na área ambiental e agrícola. Cada ministério anda para um lado, falta uma unidade e um planejamento a longo prazo e que coloque essas forças em uma mesma direção.

(O site IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos-Unisinos, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul).

publicado por André Lazaroni em 10.6.10



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