sábado, novembro 13, 2010
Alga vermelha, santo remédio?
A alga vermelha (Laurencia dendroidea), encontrada em vários pontos da costa brasileira, como no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, pode vir a ser uma grande fonte de matéria-prima para a indústria farmacêutica. Ela tem múltiplas aplicações, já que reúne substâncias com atividade anticancerígena, outras com potencial antileishmania e até contra o Trypanosoma cruzi. Mas como garantir que essa alga, que tem menos de 10cm, seja empregada em larga escala sem prejuízo para a espécie?
Para o biólogo Renato Crespo Pereira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma alternativa é a genética. Mais precisamente o estudo do gene responsável, ou genes, pela produção dessas substâncias. A partir daí, como explica o pesquisador, em reportagem da Ascom da Faperj, se pode traçar um caminho para a produção em larga escala das substâncias de interesse, sem a necessidade de comprometer as populações naturais desse tipo de alga.
Para Crespo, que recebeu recursos para seu trabalho do edital Pensa Rio, da Faperj, a exploração de organismos marinhos leva a uma ponderação de que não se pode fugir: em geral, trata-se de organismos pequenos, com pouca biomassa, o que exigiria a coleta de grandes volumes das espécies. Diz ele: “a exploração dos bancos naturais não é um bom caminho, uma vez que, devido a seu pequeno porte e lento crescimento, esses organismos muitas vezes não têm capacidade de suprir uma demanda de mercado”.
A proposta de Renato Crespo Pereira é bem mais viável. Trata-se de aproveitar as substâncias já descritas em estudos e apontadas como promissoras para a aplicação comercial. A partir daí, identificar, em laboratório, os genes responsáveis por sua produção, introduzi-los em uma bactéria e cultivá-la para obter as moléculas de interesse. Com isso, se consegue replicar a substância desejada em escala necessária às demandas comerciais. É o caminho que Crespo traça em seu laboratório com a alga vermelha.
Além das aplicações na indústria farmacêutica, ela ainda pode servir como matéria-prima para a produção de tinta, por apresentar pequenas moléculas com atividade anti-incrustante, o que pode ser de interesse para a produção de materiais na indústria naval, dutos submarinos e tintas, por exemplo. Afirma o pesquisador: “isso é fácil de entender. Em seu ambiente, um organismo marinho é submetido a pressões semelhantes às de um navio, com outros organismos procurando colonizá-lo. Para defender-se, ele desenvolve mecanismos, como a produção de substâncias anti-incrustantes. Por isso, a probabilidade de encontrarmos moléculas com esse tipo de atividade é bem maior“.
Apesar de suas pesquisas ainda estarem no começo, o pesquisador se mostra confiante dos resultados: “estamos certos de que serão bastante promissores”. O mesmo processo também pode ser empregado em plantas. Com a identificação genética, se pode produzir o princípio ativo até mesmo de espécies em extinção. Acrescenta Renato Crespo Pereira: “o taxol é uma substância anticancerígena extraída da folha e casca de um tipo de árvore que acabou extinta em várias partes do mundo. Podemos usar o mesmo processo para pesquisar o gene responsável e voltar a produzi-la. O que já vem acontecendo e foi publicado recentemente na revista científica Science”.
Crespo segue um raciocínio semelhante ao da pesquisadora Letícia Lotufo, da Universidade Federal do Ceará (UFC), que resolveu trilhar uma rota inversa ao habitual: está cultivando microorganismos marinhos que contém ativos com potencial farmacológico para estudar sua reprodução em larga escala. Elogia ele: “em um segundo momento, se as moléculas encontradas mostrarem atividade promissora, ela já sabe como desenvolvê-la em grandes quantidades. É um trabalho único”. Do outro lado da moeda, o pesquisador se pergunta quantos trabalhos terminaram engavetados por absoluta inviabilidade econômica.
“A halicondrina B, um composto anticancerígeno extraído de esponjas marinhas, exige a coleta de uma tonelada para se conseguir apenas 350 miligramas da substância. Logo, uma exploração mal planejada pode comprometer populações de uma determinada espécie ou mesmo levá-las à extinção, como já aconteceu com certas esponjas na costa européia. Isso pode ocorrer seja por conta da pesquisa científica, seja pelo uso farmacológico. O Brasil, que é um país onde os estudos sobre a biodiversidade marinha estão apenas começando, não pode seguir esse modelo que vem se mostrando inviável”.
No caso de substâncias com origem em organismos marinhos, a própria síntese muitas vezes é complicada, já que algumas delas são bastante complexas e podem exigir um processo em várias etapas, o que leva tempo e encarece o produto final. Compara Renato Crespo Pereira: “muitas vezes, o caminho genético será bem mais fácil do que a síntese em laboratório. Com certas moléculas mais complexas, por exemplo, não se poderá contar, em laboratório, com o aparato enzimático de um organismo vivo. Casos em que a síntese terminará exigindo um processo mais longo. Será mais um fator que dificultará sua aplicação comercial”.
Questões que precisam ser avaliadas até mesmo antes de se dar início a determinadas pesquisas: diante de uma alga, esponja, ou de qualquer organismo marinho com ocorrência restrita, devemos nos perguntar se vale a pena estudá-lo só para depois constatar que ele não existe em quantidade suficiente para uso comercial.
Para Crespo, uma outra forma de fazer avançar a exploração da biodiversidade marinha no Brasil seria um programa nacional de estudos que unisse os químicos das diversas universidades num trabalho em rede para processar a síntese de moléculas já descritas como de potencial farmacêutico. Argumenta ele: “já existe uma mapeamento dessas substâncias. Podemos utilizar a literatura internacional e pesquisar o que tivermos no país com características semelhantes”.
Pensa o biólogo da Universidade Federal Fluminense (UFF) que pensar os rumos da exploração da biodiversidade, seja marinha ou mesmo terrestre, não é uma questão de pessimismo. É, na verdade, uma realidade sobre a qual precisamos refletir. Temos que pensar qual será o caminho mais apropriado para essas pesquisas no Brasil.
Para o biólogo Renato Crespo Pereira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma alternativa é a genética. Mais precisamente o estudo do gene responsável, ou genes, pela produção dessas substâncias. A partir daí, como explica o pesquisador, em reportagem da Ascom da Faperj, se pode traçar um caminho para a produção em larga escala das substâncias de interesse, sem a necessidade de comprometer as populações naturais desse tipo de alga.
Para Crespo, que recebeu recursos para seu trabalho do edital Pensa Rio, da Faperj, a exploração de organismos marinhos leva a uma ponderação de que não se pode fugir: em geral, trata-se de organismos pequenos, com pouca biomassa, o que exigiria a coleta de grandes volumes das espécies. Diz ele: “a exploração dos bancos naturais não é um bom caminho, uma vez que, devido a seu pequeno porte e lento crescimento, esses organismos muitas vezes não têm capacidade de suprir uma demanda de mercado”.
A proposta de Renato Crespo Pereira é bem mais viável. Trata-se de aproveitar as substâncias já descritas em estudos e apontadas como promissoras para a aplicação comercial. A partir daí, identificar, em laboratório, os genes responsáveis por sua produção, introduzi-los em uma bactéria e cultivá-la para obter as moléculas de interesse. Com isso, se consegue replicar a substância desejada em escala necessária às demandas comerciais. É o caminho que Crespo traça em seu laboratório com a alga vermelha.
Além das aplicações na indústria farmacêutica, ela ainda pode servir como matéria-prima para a produção de tinta, por apresentar pequenas moléculas com atividade anti-incrustante, o que pode ser de interesse para a produção de materiais na indústria naval, dutos submarinos e tintas, por exemplo. Afirma o pesquisador: “isso é fácil de entender. Em seu ambiente, um organismo marinho é submetido a pressões semelhantes às de um navio, com outros organismos procurando colonizá-lo. Para defender-se, ele desenvolve mecanismos, como a produção de substâncias anti-incrustantes. Por isso, a probabilidade de encontrarmos moléculas com esse tipo de atividade é bem maior“.
Apesar de suas pesquisas ainda estarem no começo, o pesquisador se mostra confiante dos resultados: “estamos certos de que serão bastante promissores”. O mesmo processo também pode ser empregado em plantas. Com a identificação genética, se pode produzir o princípio ativo até mesmo de espécies em extinção. Acrescenta Renato Crespo Pereira: “o taxol é uma substância anticancerígena extraída da folha e casca de um tipo de árvore que acabou extinta em várias partes do mundo. Podemos usar o mesmo processo para pesquisar o gene responsável e voltar a produzi-la. O que já vem acontecendo e foi publicado recentemente na revista científica Science”.
Crespo segue um raciocínio semelhante ao da pesquisadora Letícia Lotufo, da Universidade Federal do Ceará (UFC), que resolveu trilhar uma rota inversa ao habitual: está cultivando microorganismos marinhos que contém ativos com potencial farmacológico para estudar sua reprodução em larga escala. Elogia ele: “em um segundo momento, se as moléculas encontradas mostrarem atividade promissora, ela já sabe como desenvolvê-la em grandes quantidades. É um trabalho único”. Do outro lado da moeda, o pesquisador se pergunta quantos trabalhos terminaram engavetados por absoluta inviabilidade econômica.
“A halicondrina B, um composto anticancerígeno extraído de esponjas marinhas, exige a coleta de uma tonelada para se conseguir apenas 350 miligramas da substância. Logo, uma exploração mal planejada pode comprometer populações de uma determinada espécie ou mesmo levá-las à extinção, como já aconteceu com certas esponjas na costa européia. Isso pode ocorrer seja por conta da pesquisa científica, seja pelo uso farmacológico. O Brasil, que é um país onde os estudos sobre a biodiversidade marinha estão apenas começando, não pode seguir esse modelo que vem se mostrando inviável”.
No caso de substâncias com origem em organismos marinhos, a própria síntese muitas vezes é complicada, já que algumas delas são bastante complexas e podem exigir um processo em várias etapas, o que leva tempo e encarece o produto final. Compara Renato Crespo Pereira: “muitas vezes, o caminho genético será bem mais fácil do que a síntese em laboratório. Com certas moléculas mais complexas, por exemplo, não se poderá contar, em laboratório, com o aparato enzimático de um organismo vivo. Casos em que a síntese terminará exigindo um processo mais longo. Será mais um fator que dificultará sua aplicação comercial”.
Questões que precisam ser avaliadas até mesmo antes de se dar início a determinadas pesquisas: diante de uma alga, esponja, ou de qualquer organismo marinho com ocorrência restrita, devemos nos perguntar se vale a pena estudá-lo só para depois constatar que ele não existe em quantidade suficiente para uso comercial.
Para Crespo, uma outra forma de fazer avançar a exploração da biodiversidade marinha no Brasil seria um programa nacional de estudos que unisse os químicos das diversas universidades num trabalho em rede para processar a síntese de moléculas já descritas como de potencial farmacêutico. Argumenta ele: “já existe uma mapeamento dessas substâncias. Podemos utilizar a literatura internacional e pesquisar o que tivermos no país com características semelhantes”.
Pensa o biólogo da Universidade Federal Fluminense (UFF) que pensar os rumos da exploração da biodiversidade, seja marinha ou mesmo terrestre, não é uma questão de pessimismo. É, na verdade, uma realidade sobre a qual precisamos refletir. Temos que pensar qual será o caminho mais apropriado para essas pesquisas no Brasil.
publicado por André Lazaroni em 13.11.10
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