Andre Lazaroni

domingo, maio 23, 2010


No ano da Copa do Mundo, um importante acontecimento será realizado em Nagoya, Japão, no mês de outubro, sem a mesma divulgação: a Conferência da Biodiversidade - COP-10. Mais de 100 países, incluindo as principais potências econômicas e o Brasil, estarão reunidos para tentar encontrar alternativas a fim de evitar mais colapsos ambientais. A perda crescente da biodiversidade mobiliza o planeta, apesar da indiferença de muitos, entre eles governantes. Felizmente, o Brasil se destaca por várias ações que vêm adotando para a manutenção das diferentes espécies aqui localizadas. Entre elas, estão a redução do desmatamento na Amazônia, a criação de novas áreas de conservação de uso sustentável e de proteção integral e o monitoramento de todos os biomas brasileiros.

E ainda a discussão sobre patrimônio genético com países megadiversos, que inclui a distribuição justa e equitativa dos benefícios econômicos oriundos da exploração da biodiversidade. Neste 2010, Ano Internacional da Biodiversidade, estabelecido pela ONU, nações de todo o mundo obrigatoriamente vão debater a perda da biodiversidade, prejuízo que afeta não só animais e plantas, como muitos preferem simplificar a questão, mas que interfere de maneira crucial na manutenção da vida do homem e no equilíbrio de todo o planeta. Para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo, as perdas econômicas decorrentes do processo de redução de espécies alcançam uma cifra anual entre 2 e 4 trilhões e meio de dólares, segundo pesquisadores do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

O encontro de Nagoya, a COP-10, vai reunir as nações megadiversas (grupo dos 17 países que abrigam a maioria das espécies da Terra e juntos detêm cerca de 70% de toda a biodiversidade do planeta, entre eles o Brasil), as principais potências econômicas mundiais e outros 100 países aproximadamente. O objetivo é tentar encontrar soluções que possam surtir efeito rápido, ou pelo menos de médio prazo, a fim de evitar novos colapsos ambientais ao redor do planeta. Durante a COP-10, o Brasil vai assumir um protagonismo, pois pretende reafirmar o pacto entre os países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), para o cumprimento das metas estabelecidas tanto na Rio-92 quanto em Johannesburgo (África do Sul), em 2002.

Vai ainda defender a bandeira da repartição de benefícios oriundos do patrimônio genético da biodiversidade, principal ponto pretendido pelos megadiversos na convenção. Segundo a secretária de Biodiversidades e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Maria Cecília Wey de Brito, muitas reuniões preparatórias têm sido realizadas pelas 17 nações megadiversas, com o objetivo de se estabelecer uma proposta comum. A questão da compensação financeira pelo conhecimento obtido a partir da biodiversidade, no entanto, é motivo de controvérsia. Ganhou manchete dos jornais o caso do cupuaçu, que teve um pedido de patente registrado no exterior por uma empresa japonesa, apesar de ser uma planta típica da Amazônia.

Por meio da contestação de entidades ambientalistas nos escritórios de patentes internacionais, foi impedida a aprovação do registro, pois as aplicações do produto já eram, desde há muito, de domínio dos índios e das comunidades tradicionais amazônicas, e não envolviam nenhum tipo de inovação que justificasse o direito de sua exploração pela companhia japonesa. De acordo com o terceiro relatório do Panorama da Biodiversidade Global (GBO3, em inglês), divulgado no começo de maio pelas Nações Unidas (cuja versão em português será lançada pelo MMA), nenhum país cumpriu integralmente as metas de redução da perda da biodiversidade em seus territórios entre 2002 e 2010.

O documento é um relatório oficial da Convenção sobre Diversidade Biológica, estabelecida em 1992, e vai pautar as discussões entre os chefes de Estado e de governo participantes da Cúpula da Biodiversidade no Japão. O ponto mais preocupante deste estudo revela que a perda da biodiversidade global está alcançando um patamar quase irreversível. Entre 1970 e 2006, por exemplo, o número de indivíduos de espécies de vertebrados teve um declínio de 30% em todo o mundo, e a tendência, segundo o GBO3, é de que a redução continue, especialmente entre animais marinhos e nas regiões tropicais. O relatório indica ainda que 40% das espécies de aves e 42% dos anfíbios apresentam população em queda.

Para reverter o quadro de sérios prejuízos ambientais e econômicos, seriam necessários investimentos em todo o planeta de aproximadamente 45 bilhões de dólares por ano. O relatório indica os cinco principais fatores de pressão sobre a biodiversidade: perda e degradação de habitats (convertidos em plantações, pastagens, áreas urbanas), mudanças climáticas, poluição, sobreexploração dos recursos naturais e a presença de espécies exóticas invasoras. As intervenções humanas em lagos de água doce também foram apontadas como outro fator importante, pois devido ao acúmulo de nutrientes, inúmeras espécies de peixes foram levadas à morte em larga escala. A acidificação e poluição dos oceanos também vitimam os recifes de corais, o que descaracteriza o ecossistema marinho.

Nas grandes regiões do mundo, os habitats naturais continuam a declinar em extensão e integridade, especialmente os bancos de algas marinhas, as zonas úmidas de água doce, as localidades de água congelada e os recifes de corais e de mariscos. Segundo dados da World Conservativon Union (União Mundial de Conservação), a ação do homem provoca 0,2% da perda média de espécies todos os anos, que ocorre ainda por queimadas e desmatamento impulsionados pelo mercado imobiliário e monoculturas de larga escala, caça e tráfico de animais. Extrativismo sem manejo adequado e mineração, dentre outros fatores de intervenção antrópica, também são causas crescentes do processo de extinção, por acompanharem as necessidades de uma população humana que, segundo estatísticas da Organização das Nações Unidas, é de 6 mil e 500 milhões, com perspectivas de aumento para 7 mil milhões até o ano de 2012.

De acordo com o secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, Ahmed Doghlaf, a perda da biodiversidade ocorre em uma velocidade sem precedentes. Alerta ele que as taxas de extinção podem estar mil vezes acima das médias históricas. Apesar de o GBO3 ressaltar o aumento considerável das áreas de proteção ambiental (82% estão em áreas marinhas e 44% em regiões terrestres), e o progresso significativo da preservação de florestas tropicais e manguezais, dados do documento revelam que estas medidas não foram suficientes para alcançar a meta estabelecida. Há ainda outros pontos do documento do Pnuma considerados críticos.

A Amazônia é apontada como área sujeita a danos irreparáveis, em parte motivados pelo desmatamento e queimadas, e por outro, pelas mudanças na dinâmica regional das chuvas e extinção de espécies. O Brasil é tido como exemplo no que diz respeito à criação de áreas protegidas, as unidades de conservação. Dos 700 mil quilômetros quadrados transformados em áreas de proteção em todo o mundo, desde 2003, quase três quartos estão em solo brasileiro, resultado atribuído em grande parte ao Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). Para 2010, já está em fase de análise a criação de novas áreas protegidas: 3.044.000 hectares no Cerrado; 868.192 hectares no Pantanal; 600 mil hectares no Pampa e mais de 1.200.000 hectares na Mata Atlântica.

Outra estratégia fundamental adotada pelo Brasil para combater o desmatamento e a extinção de espécies decorrente desta prática é o monitoramento por satélite de todos os biomas brasileiros, procedimento que, até 2008, era realizado apenas na Amazônia e em parte da Mata Atlântica. Com a identificação e controle das principais causas do desmatamento na região, em 2009, a devastação da floresta teve o menor índice (43% mais baixo) dos últimos 20 anos. Os primeiros resultados sobre o Cerrado e Caatinga, levantados entre 2002 e 2008, já foram lançados, mostrando que quase metade da cobertura vegetal original destes biomas já foi destruída.

Para este ano, serão divulgados os dados referentes à cobertura vegetal do Pantanal, Mata Atlântica e Pampa, referentes ao mesmo período. Por meio do monitoramento, é possível estabelecer planos de ação de fiscalização, controle e combate ao desmatamento, bem como levar alternativas sustentáveis às regiões onde o desmate ainda é muito praticado. Também foi lançada, em 2009, a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras. O programa vai orientar as diferentes esferas do Governo a fim de mitigar e prevenir os impactos negativos destas espécies sobre a população humana, os setores produtivos, o meio ambiente e a biodiversidade.

Os eixos deste plano são a prevenção da introdução de novos indivíduos, bem como a mitigação da presença dos mesmos em biomas e bacias hidrográficas do Brasil. Atualmente, as invasões biológicas causadas por espécies exóticas são consideradas a segunda maior causa de perda da biodiversidade biológica do planeta, perdendo apenas para a destruição de habitats. No Brasil, os custos decorrentes dos impactos causados por estas espécies atingem cerca de 50 bilhões de dólares ao ano. Entre elas, podemos citar o mosquito da dengue, o mexilhão dourado, o caracol gigante africano, a uva-do-japão, o capim-annoni e o amarelinho.

Também tem sido feita a atualização de listas de espécies brasileiras ameaçadas de extinção (fauna e flora), que servem como alerta e instrumento de monitoramento da política de conservação destas espécies. O diretor do Departamento de Florestas do MMA, João de Deus Medeiros, avalia que o número de espécies em extinção está aumentando, o que é um sinalizador preocupante, pois demonstra que o objetivo de reduzir a taxa de extinção não tem sido alcançado. Fundamentais para a conservação e recuperação de espécies ameaçadas de extinção (um dos principais compromissos dos países durante a CDB), estes levantamentos funcionam como instrumentos de implementação da Política Nacional da Biodiversidade, que inclui as Listas Nacionais Oficiais de Espécies Ameaçadas de Extinção; os Livros Vermelhos das Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção e os Planos de Ação Nacionais para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção.

A biodiversidade é a totalidade das espécies de seres vivos de uma determinada região ou tempo, e abrange animais, vegetais, fungos e microorganismos, sendo responsável pela evolução e manutenção da vida em todos os lugares. Sua manutenção depende do equilíbrio e estabilidade de ecossistemas, e seu uso e aproveitamento pela humanidade devem, necessariamente, ser feitos de maneira sustentável de forma a preservá-los. Desde que o homem começou a interferir na natureza, a biodiversidade tornou-se a base das atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais e, mais recentemente, da indústria de biotecnologia. Trata-se ainda da fonte primária para remédios, cosméticos, roupas e alimentos, entre outros produtos, e é essencial para a criação de grãos mais produtivos e resistentes a pragas e a outras doenças.

A espécie humana é apenas uma entre 1 milhão e 750 mil espécies de vida conhecidas. O Pnuma estima que existam pelo menos 14 milhões de espécies vivas ao redor do planeta. Alguns especialistas calculam que esse número possa chegar a 50 milhões, ou ainda mais. A Convenção sobre Biodiversidade foi estabelecida em 1992, durante a Eco-92, no Rio de Janeiro, mas a meta de redução da perda da biodiversidade só foi fixada na Cúpula da Terra de Johannesburgo, em 2002. Durante o evento, os governos participantes se comprometeram a estabelecer medidas para combater a extinção de espécies. Dentre os pontos acordados constam a redução da degradação de habitats, o controle de espécies exóticas invasoras (que ocasionam prejuízos de aproximadamente 2 trilhões e 500 bilhões de dólares nas economias de todo o planeta) e transferência de tecnologia para países em desenvolvimento.

Das 21 metas estabelecidas pela ONU em 2002, nenhuma está próxima de ser cumprida. A Convenção sobre Diversidade Biológica foi assinada por 156 nações, atualmente foi ratificada por 192, e estabeleceu que os países têm direito soberano sobre à variedade de vida contida em seu território, bem como o dever de conservá-la e de garantir que seu uso seja feito de forma sustentável, isto é, assegurando sua preservação. Um dos temas mais defendidos pela CDB é a necessidade de repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos. Eles seriam divididos entre todos os países e populações cujo conhecimento foi chave para sua utilização. Como exemplo, comunidades acostumadas a usar plantas de sua região desde tempos remotos, como os índios.

publicado por André Lazaroni em 23.5.10



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